Uma Proposta Modesta - Jonathan Swift

 Segue a minha tradução de Uma Proposta Modesta do autor irlandês Jonathan Swift, feita em Junho de 2025 a partir do texto original em inglês:

Uma Proposta Modesta 

para impedir que as crianças pobres da Irlanda sejam um fardo para seus
pais ou para a nação e torná-las um benefício para o bem comum


Prefácio

    Escrito em 1729, Uma Proposta Modesta, de Jonathan Swift, é uma obra satírica em formato de panfleto político que escancara defeitos da realidade sociopolítica da Irlanda do século XVIII. Seguindo — de forma interpretativa — o conceito nietzschiano mencionado por Barthes de que “o contemporâneo é intempestivo”¹, nota-se o quão consciente e crítico Swift foi em relação à política de seu tempo; ao expor falhas e criticar mazelas de sua época com dispositivos retóricos, o autor evidencia a distância e a desumanização do povo irlandês, em um contexto em que a ascendência protestante estava em seu auge e a Inglaterra mantinha relação colonial com a Irlanda.
    É evidente, durante a leitura, o distanciamento do “propositor” em relação às pessoas pobres de seu país, ao tratá-las com vocabulário comparável ao reservado a animais; por exemplo, nos trechos em que diz: cálculo que existam cerca de duzentos mil casais cujas mulheres são férteis e veem as ruas e portas dos barracos apinhadas com pedintes do sexo feminino. Esses excertos ilustram a acidez de Swift e sua inclinação para uma sátira nos moldes de Juvenal, carregada de ironia e percepção pessimista, com menos ênfase no humor propriamente leve.
Swift sequestra o sarcasmo clássico ao ridicularizar estruturas sociopolíticas, exagerando o posicionamento de seus oponentes e transformando as vítimas dessa superestrutura em objeto de escárnio. Ao assumir uma postura extremamente calculista — escarnecendo visões utilitaristas de economistas influentes de seu tempo, como William Petty — o autor, por meio de lógica que beira o utilitarismo, tenta convencer o leitor das supostas vantagens de eliminar crianças pobres. Contudo, o efeito é justamente o oposto: afasta o leitor desse raciocínio, despertando empatia pelos irlandeses, enquanto o “propositor” direciona emoções apenas para sua própria classe.
    Vale notar também que o narrador satírico ataca tanto católicos quanto protestantes. Embora Swift fosse clérigo anglicano, ele escolhe satirizar sua própria classe, pintando-a como predatória e negligente em relação às classes mais vulneráveis. Swift não se limita a criticar apenas absurdos políticos e intelectuais de seu tempo; reconhece-os como algo maior e, em meio às trevas de sua época, escancara essas mazelas com ironia ácida que até hoje influencia nossa visão sobre literatura satírica 


Nota de rodapé: ¹Incluí, no prefácio, como lente interpretativa contemporânea, uma visão anacrônica sobre Swift à luz do pensamento de Nietzsche/Barthes.

Uma Proposta Modesta

    É motivo de melancolia, para aqueles que passeiam por esta grande cidade² ou viajam pelo interior, quando veem as ruas e portas dos barracos apinhadas com pedintes do sexo feminino — acompanhadas por três, quatro ou seis crianças, todas em trapos, importunando os passantes à troca de esmolas. Estas mães, incapazes de granjear o seu próprio sustento, veem-se forçadas a empregar os seus dias errantes pedinchando mantimentos para seus filhos desprotegidos, que, quando crescidos, tornam-se larápios por falta de trabalho, ou deixam a sua querida nação para servir ao Pretendente³ na Espanha, ou vendem-se aos Barbados⁴. Penso que todos os partidos concordam que esse número prodigioso de crianças sendo carregadas nos braços, costas e pés de suas mães, e frequentemente seus pais, é, no presente e deplorável estado do reino, um agravante muito grande; portanto, aquele que pudesse encontrar um método justo, barato e fácil de transformar essas crianças em membros saudáveis e úteis para a sociedade, mereceria ser reconhecido publicamente, a ponto de ver uma estátua ser-lhe erguida como um salvador da nação.
    Mas a minha intenção está longe de ser restrita somente aos confessos pedintes — ela é muito mais abrangente, e deve alcançar todos os bebês de uma certa idade, nascidos de pais que são tão incapazes de sustentá-los quanto aqueles que demandam da nossa caridade nas ruas.
    Quanto a mim, tendo ponderado por muitos anos sobre essa tese tão importante e cuidadosamente examinado os vários projetos dos nossos avaliadores, achei-os sempre grosseiramente mal calculados. É um fato — uma criança recém-concebida será alimentada, durante um ano solar, pelo leite da sua genitora, exigindo pouco mais de outras fontes de nutrição, sem exceder o custo de dois xelins⁵, valor que a mãe certamente obteria, ou consegui-lo-ia em restos, com a sua honesta mendicância. É ao completar exatamente um ano que proponho que sejam sustentadas de tal modo que, ao invés de gastos aos pais, ou às paróquias, ou dependerem de comidas e vestes para o resto da vida, elas devem, pelo contrário, contribuir para a alimentação e parcialmente para as vestimentas de muitos milhares. Existe igualmente outra grande vantagem na minha proposta, que deveria prevenir esses abortos voluntários, e a pavorosa prática de mulheres que assassinam os seus filhos bastardos, costume demasiado frequente entre nós, sacrificam os seus pobres e inocentes bebês, o que não tenho dúvidas, seja mais para evitar as despesas do que a vergonha, fato que suscitaria lágrimas e piedade no seio do homem mais selvagem e desumano.
    Sendo o número de almas nesse reino estimado em um milhão e meio, dessas calculo que existam cerca de duzentos mil casais cujas mulheres são férteis; a partir desse número subtraio trinta mil casais capazes de manter suas próprias crianças — embora eu receie que não sejam tantos, dado as condições atuais do reino — portanto, ainda há de restar cento e setenta mil reprodutoras; novamente subtraio cinquenta mil, considerando as mulheres que sofrem aborto espontâneo ou cujos filhos perecem de doenças, ou acidentes durante o primeiro ano. Deve-se então contar que nascem cento e vinte mil crianças de pais pobres anualmente, portanto, a questão é: como esses infantes devem ser criados e sustentados? Como eu já constatei, sob as condições atuais, é completamente impossível usando os métodos já  propostos. Já que não podemos usá-las em serviços manuais ou agricultura, nós nem construímos casas — digo no país — nem cultivamos terras, essas crianças raramente podem viver de pequenos roubos até completarem seis anos, salvo os casos em que são excepcionalmente talentosas para isso, embora eu confesse: elas aprendem o básico muito antes, e durante esse tempo elas podem, porém, ser consideradas aprendizes tal como me foi informado por um cavalheiro do condado de Cavan⁶, que garantiu a mim nunca ter visto mais que um ou dois casos abaixo da idade dos seis anos,  mesmo em uma parte do reino tão  conhecida pela rapidez na proficiência  dessa arte.
    Foi-me assegurado por um dos nossos comerciantes que um menino ou uma menina antes dos doze anos não é uma mercadoria passível de ser vendida — e ainda quando chegam a essa idade, não hão de render no mercado mais do que três libras, ou três libras e meia coroa⁷ no máximo, o que em troca não traria lucro nem aos pais, nem ao reino, considerando que as despesas em alimentação e trapos já teriam excedido pelo menos quatro vezes esse valor.
    Devo agora, humildemente, apresentar minhas próprias convicções, segundo as quais, assim espero, não serão passíveis de merecer qualquer objeção.
    Foi-me garantido por um sábio americano do meu conhecimento, em Londres, que uma criança jovem e saudável, bem tratada, com um ano de idade, é a mais deliciosa, completa e nutritiva iguaria — seja ensopada, assada, grelhada ou cozida, e eu não tenho dúvidas que poderá ser igualmente bem servida em um fricassê ou um ragoût⁸.
    Eu ofereço, humildemente à opinião do público, que das cento e vinte mil crianças já computadas, vinte mil sejam reservadas para a procriação, da qual somente um quarto será de machos — o que já é mais do que permitimos para ovelhas, gados⁹ e suínos, o pretexto para isso é que crianças raramente dão frutos a um casamento, uma circunstância pouco valorizada pelos nossos antepassados, portanto, um macho será o suficiente para servir a quatro fêmeas. Que as cem mil remanescentes sejam, ao completar um ano, oferecidas como mercadorias para pessoas de excelência e fortuna em todo o reino — lembrando sempre de advertir as mães para amamentá-las bem no último mês, para ficarem cheiinhas e corpulentas para uma boa refeição. Uma criança dará dois pratos numa recepção para amigos, e quando a família jantar sozinha, os quartos anteriores ou posteriores poderão fornecer um prato razoável, ao quarto dia, se temperada com um pouco de sal ou pimenta, dará um ótimo cozido, especialmente no inverno.
    Estimo que, em média, uma criança recém-nascida deve pesar cerca de doze libras¹⁰, em um ano solar, se bem nutrida, aumentará para vinte e oito libras¹¹.
    Admito que esse alimento será caro, portanto, muitíssimo adequado para proprietários — que, já tendo devorado os pais, parecem ter todo o direito de fazer o mesmo com os filhos.
    A carne das crianças deve ser de época durante todo o ano, mas será mais abundante um pouco antes e depois de março, como nos é dito por um seriíssimo autor e eminente médico francês, que peixe sendo uma dieta comum nos países Católicos Romanos, há mais nascimentos por volta de nove meses após a quaresma, por conseguinte o mercado estará mais farto que o usual — pois o número de crianças católicas é de pelo menos uma para cada três protestantes neste reino, e, portanto, este terá uma vantagem colateral — diminuindo o número de papistas¹² entre nós.
    Eu já estimei o valor de alimentar a criança de um pedinte (em cuja lista incluo todos os lavradores, moradores do campo e quatro quintos dos fazendeiros) que será em torno de dois xelins¹³ por ano, incluindo os trapos; e eu acredito que nenhum cavalheiro pechincharia para dar dez xelins¹⁴ pela carcaça de uma criança pançuda, a qual, como já disse, dará quatro refeições de uma carne excelente e nutritiva, acompanhado de um amigo, ou de sua família para jantar consigo. Desse modo, o proprietário aprenderá a ser um bom senhorio e ganhará popularidade entre os seus inquilinos, a mãe, por vez, terá oito xelins¹⁵ de lucro líquido e estará em condições de trabalhar até produzir outro filho.
    Aqueles que são mais avarentos (como devo confessar, nossos tempos exigem) poderão despelar a carcaça, cuja pele, artificialmente tratada, fará adoráveis luvas para madames e botas de verão para os cavalheiros. 
    Quanto à nossa cidade de Dublin, abatedouros especiais poderão ser destinados para este propósito nas suas partes mais convenientes e açougueiros, esses garanto que não faltarão — muito embora eu recomende comprar as crianças vivas e temperá-las logo depois do abate, assim como fazemos com os porcos. 
    Uma pessoa muito estimada, um verdadeiro amante desse país, cujas virtudes admiro demasiado, teve o prazer de discorrer comigo sobre esse tema e propôs um refinamento sobre o meu projeto. Ele disse, que diversos cavalheiros desse reino, tendo dizimado seus cervos, poderão suprir a demanda por carne de veado com os corpos de jovens rapazes e moças, sem ultrapassar a idade dos quatorze anos, nem abaixo de doze, que havendo um número farto de ambos os sexos em vias de morrer de fome por falta de trabalho ou serviços — poderiam ser dispensados pelos seus pais, se ainda vivos, ou por outros parentes próximos. Mas com a devida estima a esse grande amigo, e respeitável patriota, eu não posso estar inteiramente em concordância com o seu ponto de vista; no que diz respeito aos machos, meu camarada americano assegurou-me por experiência, que sua carne era geralmente mais dura e magra, como a dos nossos colegiais devido ao exercício contínuo, seu sabor é desagradável e engordá-los não compensaria os gastos. Quanto às fêmeas, eu penso, com humilde submissão, que seriam uma perda ao público, pois em pouco tempo elas poderiam tornar-se reprodutoras. Além disso, não é improvável que algumas pessoas escrupulosas tentem censurar tal prática (embora, na verdade, muito injustamente) acusando-a de beirar a crueldade, o que, eu confesso, tem sido a minha maior objeção contra qualquer projeto, por mais bem-intencionado que seja. 
    Mas a fim de justiça com meu amigo, ele confessou que tal recurso foilhe posto na cabeça pelo famoso Salmanazar¹⁶, um nativo da ilha de Formosa¹⁷ , que por esta razão veio a Londres há mais de vinte anos, e em uma conversa disse ao meu amigo, que em seu país quando um jovem era executado, o carrasco vendia a sua carcaça para pessoas de excelência como refinada iguaria; e que na sua época o corpo de uma garota gorducha de quinze anos, crucificada por uma tentativa de envenenar o imperador, fora cortada em pedaços e vendida ao primeiro-ministro da Majestade Imperial do estado e outros mandarins¹⁸  da  corte por quatrocentas coroas. De fato, não posso negar que se o mesmo tratamento fosse empregado para meninas gorduchas nesta 
cidade, que nem um tostão têm em sua fortuna — mas que não saem sem sua liteira¹⁹ para teatros e assembleias em modas estrangeiras que nunca vão pagar; para o reino, não seria o pior. 
    Algumas pessoas de espírito precipitado estão apreensivas com o vasto número de pessoas pobres de muita idade, doentes ou aleijadas, sendo desejado que meus pensamentos sobre tais medidas fossem aplicados, para livrar a nação de tão penosa incumbência. Mas não tive a menor preocupação quanto a isso, por ser de conhecimento geral que estes indivíduos estão diariamente perecendo e apodrecendo de frio, fome, sujeira e vermes, tão rapidamente quanto se pode esperar. No que diz respeito aos trabalhadores, eles estão em condições quase tão esperançosas. Não conseguem trabalho e consequentemente adoecem pela necessidade de nutrir-se, em um nível que, se fossem contratados para trabalhos manuais, não teriam força para executálos — e então tanto eles quanto o país seriam libertos dos males por vir.  
    Me deixei levar pela digressão, portanto, devo retornar ao ponto principal. Acho que as vantagens da proposta que fiz são óbvias, e muitas, assim como sua elevada importância. 
    Primeiramente, como já pude observar, diminuiria o número de papistas, o qual aumenta anualmente, sendo os principais reprodutores do país, assim como os nossos inimigos mais perigosos, que ficam em casa com o propósito de trazer o Pretendente²⁰  ao reino, esperando para tirar vantagem da abstinência de diversos bons protestantes, que decidiram sair do país ao invés de pagar dízimos contra sua vontade a um curador²¹. 
    Em segundo lugar, os tenentes mais pobres teriam algo mais valioso para si, que por lei os daria garantia, e facilitaria o pagamento aos seus senhorios, uma vez que seu gado e seu milho já teriam sido confiscados e o dinheiro seria uma coisa desconhecida.  
    Em terceiro lugar, ao passo que a manutenção de cem mil crianças, a partir dos dois anos não pode ser calculado custando menos que dez xelins por ano por cabeça — as reservas nacionais irão aumentar cinquenta mil libras por ano, além da inclusão de uma nova refeição nas mesas de todos os cavalheiros abonados do reino que possuam um paladar mais refinado. E o dinheiro circularia internamente, com os bens sendo inteiramente de nossa produção e manufatura. 
    Em quarto lugar, além do ganho de oito xelins esterlinos por ano pela venda de seus filhos, os pais estariam livres do fardo de ter de criá-los após o primeiro ano. 
    Em quinto lugar, essa iguaria, igualmente, traria uma boa freguesia para as tavernas e os proprietários certamente seriam prudentes de curar as melhores receitas para temperá-los à perfeição; e consequentemente suas casas seriam frequentas pelos mais estimados cavalheiros, que se gabam do seu refinado paladar; e um cozinheiro habilidoso, que muito entende de como enlevar a sua clientela e a aprimorará para torná-la quão cara lhes apetecesse.  
    Em sexto lugar, esta seria uma boa maneira de fomentar os casamentos, o que todas as nações sábias têm encorajado, por meio de recompensas ou mesmo forçado por meio de leis e penalidades. Isso aumentaria o cuidado e a ternura por parte das mães com os seus filhos, quando essas tivessem certeza de que iriam estabelecer-se com as pobres crianças, patrocinadas de certa maneira pelo poder público, para o seu lucro anual, ao invés de despesas. Nós devemos, brevemente, ver uma imitação honesta entre as mulheres casadas, as quais, trariam os seus filhos mais gordos para o mercado. Homens tornarse-iam mais afetuosos com as suas esposas durante a sua gestação, quanto são com suas éguas, vacas e porcas prenhas quando estão perto de parir — nem se proporiam a bater-lhes ou dar-lhes pontapés (como é prática tão frequente) por medo de um aborto. 
    Muitas outras vantagens podem ser enumeradas. Por exemplo, a adição de algumas centenas de carcaças nas nossas exportações anuais de carne em barril²² — a propagação da carne suína e a melhora na arte de fazer um bom bacon, tão desejando entre nós pela matança dos porcos, tão frequente em nossas mesas; as quais são jamais comparáveis em sabor e magnificência com uma bem alimentada e gorda criança de um ano, que, bem assada, faria uma bela figura no banquete do senhor prefeito ou qualquer comemoração da câmara. Mas este, e outros pontos, omitirei por amor à brevidade.  
    Supondo que mil famílias dessa cidade seriam compradores constantes de carne de infantes, sem contar com os demais que poderão tê-la em datas festivas, particularmente em casamentos e batismos. Calculo que Dublin, anualmente, daria fim em torno de vinte mil carcaças — e o resto do reino (provavelmente onde serão vendidas mais baratas) aos oito mil remanescentes. 
    Creio não haver objeções que possam ser levantadas contra esta proposta, exceto se alegue que o número de pessoas no reino diminua consideravelmente no reino. Admito, de bom grado, era certamente uma das minhas principais considerações ao oferecer isso ao mundo. Desejo que o leitor observe que calculei meus recursos única e exclusivamente para o Reino da Irlanda, e para nenhum outro, que, acho eu, existe, ou poderá existir nesse planeta. Portanto, não permito que nenhum homem dirija a mim sobre outro expediente — como taxar os nossos ausentes²³  em cinco xelins por libra; de não usar roupas, ou móveis que não sejam produzidos e manufaturados nacionalmente; de rejeitar completamente materiais e instrumentos que promovam o luxo estrangeiro; de corrigir a vaidade, o orgulho e o ócio de nossas mulheres; ou adotar a parcimônia, a prudência e a temperança de aprender a amar o nosso país, o que, diferente dos Sami²
  ou os Tupinambás²⁵ ; de acabar com a nossa animosidade ou facciosidade, parando de agir igual aos judeus, que estavam matando uns aos outros²⁶ no momento em que suas cidades estavam sendo tomadas²⁷; de sermos mais cuidadosos para não vender o país e a consciência por qualquer coisa; de ensinarmos aos proprietários a terem um mínimo de misericórdia com os seus inquilinos. E por último — disseminar um espírito de honestidade, indústria e habilidade aos nossos comerciantes, os quais, se houvesse a decisão de comercializar somente produtos nativos, imediatamente unir-se-iam para extorquir-nos no preço, na medida e na qualidade dos produtos e que nunca poderiam ser-lhes solicitados para fazer uma proposta justa de negociar, mesmo que sejam solenemente obsequiados para ela.  
    Portanto, eu repito, jamais hei de deixar que um homem se dirija a mim para falar sobre esses expedientes, até que ele tenha um vislumbre de esperança, de que um dia haverá uma tentativa sincera e bem-intencionada que as colocar em prática.  
    Mas, no que diz respeito a mim, exausto de já ter dedicado tantos anos com pensamentos ociosos, vãos e visionários, e por fim completamente desesperados por qualquer sucesso, eu, afortunadamente, recaí sobre esta proposta, a qual, é completamente nova, então tem algo de sólido e real, pouco onerosa e nada de problemática inteiramente ao nosso alcance, e com a qual, não correremos risco nenhum de desrespeitar a Inglaterra. Pois, esse tipo de produto não será passível de exportação, e carne, sendo de consistência muito delicada, não admitirá muito tempo no sal, embora, talvez, eu possa mencionar o nome de um país que orgulhosamente digerir-nos-ia inteiros e crus.
    Apesar de tudo, eu não sou violentamente inclinado à minha opinião, a ponto de rejeitar qualquer oferta proposta por um homem sábio, contanto que seja igualmente inocente, barata, fácil e efetiva. Mas antes que qualquer coisa do gênero seja aventada contra a minha proposta, oferecendo uma melhoria, eu desejo que o autor, ou autores, considerem, com maturidade, dois pontos. Primeiro, no presente estado no qual as coisas se encontram, como eles serão capazes de encontrar vestes e alimentos para cem mil bocas e dorsos inúteis? Segundo, havendo um milhão redondo de figuras humanas neste reino, cuja, subsistência, se colocada em uma reserva comum, os deixaria com uma dívida de dois milhões de libras esterlinas²
 — acrescentando aqueles que tem por profissão a mendicância, junto dos lavradores, aldeões e trabalhadores manuais, que, com suas esposas e filhos, são realmente pedintes; desejo que os políticos que discordam da minha proposta modesta, e talvez sejam corajosos de tentarem dar-me uma resposta, que deverão antes, perguntar aos pais desses mortais, se eles não achariam uma felicidade enorme serem vendidos como alimento ao completar um ano de idade, da maneira como apresentei, e por essa via, ter evitado uma cena perpétua de desgraças que tem de suportar, como a opressão dos senhorios, a impossibilidade de pagar o aluguel na falta de dinheiro ou ofício, ou o desejo de um sustento comum, sem ao menos possuir um teto ou uma trouxa de roupas para protegêlos das intempéries do clima, ou transmitir um legado de miséria para as suas gerações vindouras.
    Professo, com toda a sinceridade do meu coração, que não tenho o menor interesse pessoal em empreender esforço na promoção deste trabalho necessário, não tendo nenhum outro motivo maior quanto o bem do povo do meu país, no desenvolvimento do comércio, provendo aos infantes, aliviando os pobres e dando um pouco de prazer aos ricos. Eu não tenho crianças pelas quais eu possa oferecer um tostão; tendo a mais nova, nove anos de idade, e a mulher, já passada da idade de procriar. 


Notas de rodapé:
² Dublin, capital da Irlanda
³ Jaime Francisco Eduardo Stuart “the Old Pretender” (“o Velho Pretendente”), afirmava ser o rei legítimo da Inglaterra por ser o filho mais velho de Jaime II, o último rei católico, deposto e exilado na “Revolução Gloriosa de 1688” que estabeleceu Guilherme III e Maria II como monarcas protestantes, ele foi posteriormente excluído da sucessão pelo Ato de Liquidação de 1701. Jaime simboliza a perda definitiva da influência católica (e do Papa) na política da Inglaterra.
⁴ Barbados é uma ilha nas Índias Ocidentais; os pobres frequentemente buscavam uma vida melhor indo para o Novo Mundo, muitas vezes como servos contratados, pois não tinham dinheiro para pagar a viagem.
⁵ Uma unidade de moeda inglesa da época, equivalente a 12 pence; vinte xelins constituíam
uma libra. Aproximadamente £ 15,84 em valores atuais — para o cálculo em libras atuais foram usados conversores históricos de inflação inglesa (CPI), portanto, os valores estão sujeitos à variações dependendo do PIB e renda média contemporâneos.—.
⁶ Condado na província de Ulster na Irlanda.
⁷ Em ordem, aproximadamente £ 497,93 e £ 518,35 em valores atuais
⁸ Ragu
⁹ No texto original, “Black Cattle” ou Gado Preto Galês, raça nativa do País de Gales que remonta
desde os tempos pré-romanos.
¹⁰ 5,44 kg
¹¹ 12,70 kg
¹² Papismo e papista são termos, geralmente depreciativos, utilizados para categorizar os católicos romanos. Foram criados pelos protestantes ingleses como referência à soberania do papa sobre os cristãos e para nomear os que respeitavam esta ascendência.
¹³ Aproximadamente £ 16,60 em valores atuais
¹⁴ Aproximadamente £ 82,99 em valores atuais
¹⁵ Aproximadamente £ 66,39 em valores atuais
¹⁶ George Salmanazar (1679 - 3 de maio de 1763): colega de Samuel Johnson e outras figuras
literárias do século XVIII em Londres, Salmanazar convenceu muitos na Grã-Bretanha que foi o primeiro nativo das ilhas formosa (atual Taiwan) a visitar a Europa; em 1706 admitiu não ser de Formosa.
¹⁷ Atual Taiwan
¹⁸ Mandarins, nos antigos impérios da China, do Vietnã e da Coreia, designava um funcionário pertencente à classe dos letrados e recrutados por concurso. Os mandarins dividiam-se em duas categorias: civil e militar.
¹⁹ Cadeira portátil usada como meio de transporte, coberta e fechada, sustentada por duas varas
compridas levadas por dois homens ou dois animais de carga, um à frente e outro atrás.
²⁰ Ver nota de rodapé n.° 3
²¹ No texto original, “episcopal curate”, a palavra inglesa curate é usada para um padre designado para uma paróquia em uma posição subordinada à do pároco, sustentada por arrecadação de impostos. Protestantes, assim como puritanos, frequentemente se opunham a uma igreja subsidiada pelo estado.
²² Mesmo enquanto a população irlandesa morria de fome, os ausentes ingleses continuavam exportando alimento das suas terras na Irlanda para a Inglaterra e suas colônias. 
²³ Um proprietário ausente é uma pessoa que possui e aluga uma propriedade geradora de lucro, mas que não reside na região econômica local da propriedade.
²⁴ O povo lapão, também conhecido como povo Sami, constitui o grupo étnico nativo da Lapônia, um território abrangendo partes das regiões setentrionais da Noruega, Suécia, Finlândia e da península de Kola, na Rússia.
²⁵ Grupo indígena brasileiro da família linguística Tupi-Guarani, presente ao longo da costa brasileira, em destaque nas regiões nordeste, sudeste e sul.
²⁶ Golpe ocorrido foi uma violenta tomada de poder em Jerusalém, durante a Primeira Guerra Judaico-Romana. Liderados por Eleazar Ben Simon, os zelotes, com apoio dos Idumeus, massacraram o governo moderado e seus apoiadores, instaurando um regime de terror na cidade.
²⁷ Tomada conhecida como cerco de Jerusalém, o evento em 70 d.C. foi o evento decisivo da
Primeira Guerra Judaico-Romana, quando as tropas romanas lideradas por Tito destruíram a
cidade e o Segundo Templo, marcando o fim da revolta judaica.
²⁸ Aproximadamente £ 331.954.117,89 em valores atuais.


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